OPINIÃO: Organizações centradas nas pessoas? Comece por medir o engagement!
Autor: Filipa Rocha Rodrigues, Head of Human Capital na EUROGROUP CONSULTING Portugal e Professora na Universidade Europeia.
O engagement é hoje um dos temas centrais na gestão de pessoas e uma preocupação permanente dos líderes. Ganhou relevância durante a pandemia com o aumento da incidência de burnout e outros problemas de saúde mental. A ansiedade criada por um vírus desconhecido, a incerteza quanto ao futuro do emprego, e a complexidade trazida pelo trabalho remoto foram fatores potenciadores de stress. Estando o engagement no pólo oposto do burnout, importa clarificar o conceito e perceber como o podemos medir, de forma a identificar ações concretas para a sua promoção. Ainda que as suas consequências sejam claras, traduzindo-se, por exemplo, num maior desempenho organizacional e bem-estar dos colaboradores, o engagement é muitas vezes associado a satisfação no trabalho, envolvimento e compromisso, conceitos correlacionados embora distintos. Mas afinal o que é o engagement e como o devemos medir?
O engagement é definido como um estado de realização que resulta de uma experiência de trabalho com propósito, autonomia, desafios e aprendizagem constantes.
Estes são exemplos de recursos que permitem ao colaborador lidar com as exigências do trabalho. Teoricamente, é simples: é necessário equilibrar recursos e exigências para gerar engagement. Se o colaborador tiver os recursos necessários para lidar com as exigências do trabalho, o resultado será um colaborador engaged. Se, pelo contrário, experienciar muitas exigências, mas não dispondo dos recursos necessários para lidar com as mesmas, poderá resultar num colaborador disengaged e, quando esta exposição é prolongada no tempo, em burnout.
Um colaborador engaged entende que tem as competências para lidar com as tarefas que desempenha, gosta do que faz e o desafio do trabalho produz uma ativação mental e física. Sente-se feliz, com energia, capaz e motivado. Não é o mesmo que estar satisfeito com o trabalho. A satisfação é uma medida de concordância com as políticas e práticas organizacionais. Um colaborador poderá estar satisfeito com a empresa, por exemplo, pela política de work-life balance ou pelo salário e outros benefícios oferecidos pela empresa, e não estar engaged. Da mesma forma, o envolvimento no trabalho é um indicador de gosto pelo que se faz, mas não produz a componente de ativação gerada pelo engagement. Já o compromisso é um indicador de retenção em relação à organização, seja, por exemplo, pela sua reputação ou pela possibilidade de trabalho num ambiente internacional, mas não significa que o colaborador esteja engaged.
A partir do momento em que vários estudos empíricos demonstraram que o engagement é um melhor indicador de desempenho do que a satisfação no trabalho, várias opções da sua medição e avaliação surgiram no mercado. Os questionários académicos permitem obter o nível de engagement dos colaboradores, mas são pouco acionáveis, na medida em que não permitem compreender os fatores que contribuem para determinado resultado. Por outro lado, questionários criados por algumas empresas de consultoria especializadas em RH apresentam reduzido suporte científico. Por exemplo, muitos não medem a autonomia no trabalho ou o impacto da liderança.
São seis os drivers do engagement: propósito; progressão; fit com a função; energia; reconhecimento; liderança.
- Propósito: saber que o trabalho tem impacto, que gera valor para múltiplos stakeholders (e não apenas para o acionista). Embora este fator seja sobretudo relevante para a geração dos millennials, é indiscutível que a pandemia veio dar mais importância ao real propósito das organizações, exigindo-se uma gestão cada vez mais humana e centrada nas pessoas;
- Progressão: há pouco tempo, ouvia um líder de uma organização preocupado com a retenção de talento na sua empresa. Partilhava: “oferecemos uma remuneração competitiva, trabalhamos com clientes de prestígio e com tecnologia de ponta. Por que não conseguimos reter pessoas com idades entre os 35 e os 45 anos?”. Muitas empresas do nosso tecido empresarial, maioritariamente formado por microempresas, apresentam a mesma dificuldade. Por mais que as empresas ofereçam uma remuneração atrativa e projetos interessantes, se o colaborador perceber que não consegue progredir naquela empresa, irá à procura de outro desafio. Embora a progressão na carreira seja relevante para a geração X, para a geração millennial é mais importante a progressão no sentido de aprendizagem constante, de ganho de competências e de experiência do que a posição hierárquica;
- Fit com a função: saber que temos as competências para realizar a função, ter claro o que é esperado com o papel que desempenhamos, e gostar do que fazemos. Mais importante: sentir que a função está alinhada com os nossos valores gera um sentido de autenticidade e de consistência entre o que somos e o que fazemos, dando real significado ao trabalho;
- Energia: ter tempo para descansar, para recuperar, seja com uma corrida, a ler um livro ou simplesmente desligar em frente à tv. A ideia é ter tempo de descanso, de recuperação, “recarregar baterias”. Este é um ponto central do engagement, pouco medido pelas ferramentas existentes no mercado e que separa a linha tênue entre engagement e burnout. Este fator tem vindo a ganhar maior pertinência dentro do contexto atual. Por um lado, pelo facto de estarmos sempre conectados on-line, sentimos maior necessidade de desligar. Por outro lado, e com o regime de trabalho híbrido, este tempo para recuperar poderá ocorrer durante o horário laboral, exigindo maior flexibilidade aos gestores;
- Reconhecimento: este fator tem duas componentes. A componente extrínseca refere-se à remuneração e outros benefícios recebidos em contrapartida pelo trabalho realizado. O exercício (natural) de comparação social deve resultar num sentido de equidade externa e interna: perceber que a remuneração é justa, do ponto de vista externo, quando comparada com outras organizações, e do ponto de vista interno, quando comparada com funções semelhantes dentro da organização. A componente intrínseca refere-se ao reconhecimento pelo trabalho realizado. Há evidência empírica que o reconhecimento do trabalho pelo supervisor direto tem maior impacto para o engagement do que recompensas financeiras, e de que o reconhecimento reforça o comportamento, resultando numa dinâmica positiva (comportamento> reconhecimento > comportamento);
- Liderança: é o líder quem tem a responsabilidade de desenvolver um ambiente onde as pessoas sentem segurança psicológica, ou seja, uma cultura organizacional de aceitação do erro, de desafio ao status quo, onde se fala abertamente e é-se encorajado a discordar. O líder, através do seu próprio exemplo enquanto role model e através dos comportamentos que promove ou que repreende, ajuda a ditar as regras do jogo. Em culturas tóxicas, onde as pessoas têm medo de expressar o que realmente sentem e pensam, não é possível obter elevados níveis de engagement. Aliás, o resultado será o oposto.
Um bom ponto de partida para o back to a new normal, será medir o nível de engagement e construir um plano de ação concreto a partir do feedback dos colaboradores. Devemos relembrar que não conseguimos gerir o que não podemos medir. Se monitorizamos as receitas numa lógica recorrente, qual o sentido de olharmos para um dos drivers da receita – o engagement – numa lógica anual? Se queremos construir organizações centradas nas pessoas, devemos começar por ouvi-las, com frequência.