A importância do equilíbrio remoto-presencial
Li recentemente no Linkedin a frase “life is too short to be miserable” que me fez pensar na sua pertinência atual dado o fenómeno pós-pandemia designado “great resignation” ou “the big quit” nos Estados Unidos ou “lie flat” na China, com reflexo um pouco por todo o mundo. Segundo um artigo da revista Bloomberg, 24 milhões de americanos deixaram os seus empregos entre Abril e Setembro do ano passado. Na Alemanha, e de acordo com um estudo realizado pelo ifo Institute, mais de um terço das empresas reportaram perda de talento nos últimos meses. Já um estudo recente realizado pela Microsoft a nível global refere que 41% dos participantes pretende mudar de carreira em 2022. Que explicação podemos encontrar para esta mudança radical em relação ao trabalho?
A pandemia trouxe uma nova forma de olharmos para o trabalho. A maior proximidade com a morte e a incerteza causadas pelo vírus vieram reposicionar os valores da vida, da saúde e da família como prioritários. Não que não fossem os mais importantes, mas a ameaça trazida pela pandemia tornou-os mais evidentes e prementes. Para além deste reposicionamento de valores, passamos a conhecer os benefícios do trabalho remoto. A verdade é que a maioria de nós não conhecia outra realidade que não a da obrigatoriedade de ir para o escritório todos os dias e, por isso, este modelo não era questionado. Com esta conjugação de fatores, hoje as pessoas querem um trabalho com propósito, numa organização com que se identifiquem, com uma cultura que permita uma melhor conciliação vida pessoal-vida profissional e uma boa razão para terem de ir ao escritório. No entanto, importa ter presente o reverso da medalha.
Segundo um estudo realizado pela Qualtrics International Inc., cerca de 4 em cada 10 colaboradores das gerações millenial ou Z consideram deixar a organização caso esta exija o regresso ao modelo full time at the office. São os mais jovens que me preocupam. Trabalhadores com mais experiência têm uma cultura de trabalho consolidada, têm autonomia. Um jovem recém-licenciado precisa do escritório e de trabalhar em equipa porque aprende mais rapidamente on-the-job e pela observação e, dessa forma, absorve mais facilmente a cultura da organização. Nesta etapa inicial da carreira, a socialização, o sentido de pertença e os role models são absolutamente essenciais. Já sabemos que estas gerações são difíceis de reter e que organizações que não deem prioridade a este tema serão mais afetadas pelo turnover nestas idades.
Mas a retenção dos mais jovens passa pela perceção de reconhecimento e de crescimento, e por uma cultura com a qual se sintam emocionalmente conectados. Os jovens de hoje movem-se pela partilha, pela aprendizagem contínua, por um trabalho com impacto, querem ser ouvidos. Para além de uma proposta de valor do empregador que inclua estes recursos, o papel das chefias diretas é determinante. São estes que têm de garantir que os jovens estão motivados, que se sentem acompanhados, que recebem feedback e são reconhecidos pela importância do seu trabalho. São estas chefias que devem permitir a flexibilidade ao mesmo tempo que promovem momentos de interação face-to-face e que garantem que o espírito de equipa está presente. E é papel dos RH garantir que estas chefias se sentem preparadas para este período tão desafiante.
Tenho sido uma defensora do trabalho flexível, mas acredito que a virtude está no equilíbrio entre trabalho remoto e presencial sob pena de isolarmos cada vez mais os jovens e de perdermos o elemento de coesão que torna as equipas tão especiais. A cultura é uma vantagem competitiva das organizações e é alimentada pelas interações do dia-a-dia, e pode estar em risco se vivida através de um ecrã. Uma cultura organizacional forte, onde predomine a segurança psicológica, o espírito de equipa e a aprendizagem contínua será o elemento fundamental de retenção dos mais jovens.
Artigo por: Filipa Rocha Rodrigues – Head of Human Capital na Eurogroup Consulting e Professora Auxiliar na Universidade Europeia.